Clube responde por mais de 100 infrações das regras de Fair Play Financeiro. Algo parecido pode acontecer em breve no Brasil
O Manchester City foi acusado pela Premier League de quebrar mais de 100 vezes as regras de Fair Play financeiro da entidade. As infrações teriam acontecido entre as temporadas 2009/10 e 2017/18. Para o economista esportivo Cesar Grafietti, sócio da consultoria Convocados e especialista no assunto, trata-se de uma jogada da liga para mostrar que pode controlar as finanças dos clubes sem precisar de um órgão externo.
Favorito para o título da Premier League em todas as casas de apostas, o Manchester City já havia sido condenado pela Uefa em 2020. Mas o clube levou o caso para a Corte Arbitral do Esporte e conseguiu reverter a pena. Dessa vez, o caso foi entregue para uma Comissão Independente. Se for considerado culpado, o City pode sofrer punições que vão desde a perda de pontos até a exclusão da competição. Mas existe a expectativa de que vá demorar mais de um ano para o veredicto. Cesar Grafietti não acredita em uma sanção pesada:
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São duas acusações mais sérias, que podem provocar algum tipo de punição. A primeira é a de que o clube não foi transparente ao declarar as receitas. Elas teriam sido inflacionadas, para assim permitir que os gastos fossem maiores, principalmente para contratar jogadores: “Em relação às receitas, são dois pontos. Primeiro, receitas com partes relacionadas, com donos que aplicam dinheiro muito maior do que o clube poderia receber. Seria uma espécie de doping financeiro. O segundo ponto é ter receitas muito maiores do que o mercado pratica. Mais uma forma de turbinar a capacidade financeira do clube. O City alega que os contratos de publicidade estavam dentro do mercado, e que os patrocinadores não são relacionados, não fazem parte do grande grupo de Abu Dhabi que são donos do clube. É difícil você conseguir provar que o clube está errado do ponto de vista legal, contábil e financeiro”, afirma o economista.
Outro ponto levantado pela Premier League é de que o Manchester City não teria detalhado corretamente o pagamento ao técnico do clube entre 2009 e 2013, período em que o treinador era o italiano Roberto Mancini. Ele recebia uma parte do salário diretamente do Manchester City e a outra parte de uma empresa terceirizada. Para Cesar Grafietti, mais uma vez, é difícil comprovar que houve infração, já que é normal que um atleta ou treinador venda a imagem para outra empresa, arrecadando dinheiro dessa forma.
Cesar Grafietti compara o Fair Play Financeiro ao controle antidoping. Os infratores estão sempre um passo à frente, então cabe ao sistema correr atrás e tentar criar mecanismos para limitar as brechas. Para o economista, algo parecido pode acontecer no Brasil. Ele elogia a Lei das Sociedades Anônimas de Futebol, a famosa SAF, que já completou um ano de vida. Clubes como Botafogo, Cruzeiro e Vasco já estão com gestões muito melhores que no passado, mas o especialista em economia esportiva afirma que a questão fiscal ainda não está clara: “Os clubes têm dívidas fiscais, trabalhistas e cíveis. A lei deu aos clubes a possibilidade de pagar as dívidas trabalhistas e cíveis em até 10 anos. Mas ela não tratou das dívidas fiscais. E como ela tira todas as receitas da associação, a associação fica sem dinheiro para pagar essas dívidas fiscais. Em algum momento isso terá de ser pago, mas ninguém sabe como nem quando”. Ou os clubes se atentam à esse detalhe e realizam os pagamentos, ou no futuro podem ser investigados, por mais que as regras ainda sejam obscuras.
Ou seja: o sistema brasileiro terá de se adaptar à uma aparente brecha da lei, assim como a Premier League está tentando fazer agora. Controlar as finanças dos clubes não é tarefa fácil em nenhum lugar do mundo.