Conheça a brasileira que se tornou a primeira mulher faixa coral no jiu-jitsu

Yvone Duarte é a primeira mulher do mundo a vestir a faixa coral no jiu-jitsu; conheça a trajetória da lutadora e ativista brasileira
O mundo da luta, seja o MMA (Artes Marciais Mistas) ou somente o jiu-jitsu, é bastante masculino. Ainda que o UFC, principal torneio do planeta, tenha desenvolvido uma forte categoria feminina, com diferentes tipos de peso e diversas lutadoras, a grande força do Ultimate é o embate entre homens.
Até por isso, existem poucas referências femininas na modalidade – a maioria são homens. No Brasil, no entanto, há uma lutadora que se destaca e é exemplo para muitas mulheres no jiu-jitsu: Yvone Duarte, 58 anos, que recentemente se tornou a primeira mulher da história a vestir faixa coral. Essa é uma graduação acima da faixa preta.
Yvone Duarte tem uma história rica no mundo da luta. Ela começou no jiu-jitsu na década de 1980, quando deixou o estado de Roraima, onde nasceu, e se mudou para o Rio de Janeiro com os irmãos. Ela conseguiu uma brecha em uma época em que o esporte não ‘aceitava’ mulheres.
A academia do mestre acreano Osvaldo Alves, antigo aluno da família Gracie, precursora da modalidade no mundo, abriu espaço para a categoria feminina e Yvone fez parte da primeira equipe de mulheres do jiu-jitsu brasileiro.
Ao longo dos anos, obviamente, a lutadora teve de enfrentar os preconceitos de um mundo masculinizado e que rejeitava a presença de mulheres. O grande projeto de vida começou em 2016, quando ela desenvolveu ao lado de professores da UnB (Universidade de Brasília) um programa de defesa pessoal para mulheres da faculdade. À época, o campus enfrentava um caso de feminicídio chocante e tentava frear os ataques de gênero.
O projeto, portanto, nasceu com a ideia de proteger mulheres do feminicídio. E, liderado por Yvone, ganhou ‘cartaz’ e atingiu grandes proporções. Ele foi expandido para pessoas LGBTQIA+ e chegou à ONU. Na Organização das Nações Unidas, a brasileira faixa coral no jiu-jitsu orienta funcionárias que vão trabalhar em zonas de conflito.
“Já vivi o jiu-jitsu de várias formas, como atleta, como mãe, como professora. Hoje vejo o jiu-jitsu como uma forma de empoderar as mulheres, torná-las mais seguras e confiantes. Isso virou uma espécie de missão para mim”, afirmou Yvone Duarte ao UOL.
Yvone quase ‘implorou’ por torneio feminino na década de 80
A faixa coral Yvone Duarte treina Jiu-Jitsu desde os 14 anos, segundo levantamento do site ‘GracieMag’. Peso-pena (52kg), ela teve de quase implorar para que o mestre da modalidade Hélio Gracie colocasse também na agenda lutas femininas. A insistência deu certo, e a inédita categoria para mulheres contemplou, na década de 1980, faixas-brancas e azuis até 60kg. Yvone foi a campeã da primeira edição.
“A academia de Osvaldo Alves foi vanguardista”, contou Yvone ao ‘GracieMag’. “A equipe contava com ótimas atletas, como Marina Alcântara, Fernanda Bulhões, Laila Zalfa, Ana Maria D’Ávila, Jeane Xaud, Lucia Moraes, Verinha e eu. Pressionamos todo mundo para que abrissem as competições para nós, e conseguimos, em 1985. Eu tinha acabado de ter meu filho Pedro Henrique, e treinei grávida para o torneio”, revelou Yvone.
No fim, a referência brasileira no jiu-jitsu empilhou conquistas. Foi tricampeã estadual do Rio de Janeiro (1985, 1986, 1987) e campeã nacional pela Federação de Jiu-jitsu do Rio em 1991, 1992 e 1996. Já sem ‘fôlego’ para lutar profissionalmente aos 58 anos, Yvone Duarte hoje tem outros objetivos no esporte.
Herança indígena e mais: quem é a brasileira faixa coral?
Nascida na cidade de Boa Vista, em Roraima, Yvone Duarte foi ainda jovem para o Rio de Janeiro, onde iniciou sua trajetória na luta. Descendente de macuxis e wapichanas, tribos indígenas, Yvone não é só a primeira mulher faixa coral do jiu-jitsu: ela já havia sido a primeira faixa preta da história em um esporte centenário e que historicamente rejeitou a participação feminina.
Com uma carreira de resistência no esporte, hoje Yvone auxilia mulheres e pessoas LGBTQIA+ a se protegerem de uma sociedade preconceituosa. Ela tem o feminismo como um dos lemas da vida e faz questão de duas coisas na vida: combater o assédio no tatame e educar os netos.
"Essa tentativa de sempre nos colocar nesse lugar de que não podemos responder, de que o nosso corpo não é um instrumento de defesa, esse conceito o jiu-jitsu pode contribuir para destruir. Como ferramenta de empoderamento de mulheres e pessoas LGBT, o jiu-jitsu cumpre essa função educativa”, destacou a pioneira do jiu-jitsu ao UOL.
Jiu-jitsu: quais as faixas e como funciona a graduação
O sistema de graduação do jiu-jitsu é diferente do comum no mundo da luta. Crianças e adolescentes de 4 a 15 anos evoluem somente da faixa branca à verde. A partir dos 16, o praticante começa com a azul e tem a possibilidade de chegar à preta.
Depois da preta, há um modelo em que o lutador sobe sete graus até chegar na vermelha e preta, a coral, atual grau de Yvone. O oitavo degrau é a vermelha e branca, que será substituída pela faixa vermelha de nono nível. O décimo e último posto não é acessível para atletas comuns. Ela também é vermelha, mas é distribuída apenas entre os patriarcas dos Gracie: Carlos, Gastão, George, Hélio e Oswaldo,
Outro ponto interessante é o fato de que não há eventos de troca de faixas, como no judô. No jiu-jitsu, o mestre tem a responsabilidade de definir quando o atleta deve avançar de faixa. São levados em consideração critérios como contribuição para a comunidade da luta, participação em campeonatos, títulos, tempo de prática e assim por diante.