Imprensa e torcedores elegeram o ‘Rei do Rio’ no Campeonato Carioca de 1995; Romário, Túlio Maravilha, Valdir Bigode e Renato Gaúcho eram os destaques
O futebol brasileiro dos anos 90 era considerado folclórico. Não é raro ouvir pessoas mais velhas dizerem que – não apenas pela qualidade do jogo, mas pela que acontecia também fora das quatro linhas. Sem a presença massiva e frequente de assessores de imprensa, os jogadores eram ‘mais livres’ para dar entrevistas e falar o que pensavam.
Além disso, não havia a exposição que há hoje com as redes sociais. O que os atletas faziam fora de campo era menos fiscalizado e considerado normal. Os jogadores eram mais ‘humanizados’ diante da torcida e, mesmo sem tantas facilidades de comunicação, pareciam mais próximos dos amantes de futebol.
De um tempo para cá, as entrevistas ficaram mais ‘robotizadas’, protocolares. Evita-se, ao máximo, provocar o adversário, por exemplo, antes de um jogo decisivo. Na década de 90, o respeito também existia, mas as provocações eram feitas aos montes. Toda essa soma criou o clima saudosista que existe atualmente sobre aquela época.
No Rio de Janeiro, o jeito provocador era ainda mais aflorado. Com as equipes repletas de jogadores do chamado ‘futebol raiz’, a rivalidade foi elevada e virou uma espécie de novela encorpada pela imprensa, que fazia questão de destacar cada frase, e pelos torcedores, que também repercutiam as declarações dos atletas.
Em 1995, os jogadores que mais se destacavam nesse quesito eram Renato Gaúcho, à época no Fluminense, Romário, no Flamengo, Túlio Maravilha, no Botafogo, e Valdir Bigode, no Vasco. Os quatro brilhavam dentro de campo por suas equipes e, fora dele, trocavam farpas e polêmicas – a maior parte, claro, em tom de brincadeira.
O clima provocador fez surgir um título informal no Campeonato Carioca de 95, por meio da imprensa, sobre quem seria o ‘Rei do Rio’ – ou seja, qual deles seria o craque em campo e com os microfones para poder dominar a cidade. A disputa até hoje é recordada e virou referência.
Ser eleito ‘Rei do Rio’, na prática, não tinha vantagem nenhuma. Mas a disputa tornou-se combustível para ainda mais provocações. A alcunha foi utilizada também nos anos seguintes, como um marco. O histórico técnico Joel Santana, de tantos títulos pelos clubes na cidade, chegou a se considerar rei.
“O Renato (Gaúcho) quis pegar o meu bastão, mas um dia eu falei: ‘Renato, rei só existe um. Eu vou falar um negócio, rei sou eu, a coroa está aqui e o bastão está aqui comigo, mas não vai dar certo em você. Agora, tem o seguinte: você, Romário, Edmundo, Sávio, Viola vão ser todos meus príncipes’”, brincou ‘Papai Joel’, em entrevista ao UOL Esporte.
O Rei de 1995
Apesar de a expressão ter seguido no vocabulário dos torcedores e da imprensa, a disputa real de Rei do Rio aconteceu no Campeonato Carioca de 1995, um dos mais marcantes da história do Rio de Janeiro. Os candidatos ao posto de rei viviam momentos diferentes na carreira – .
Romário era o mais badalado. Campeão da Copa do Mundo de 1994 com a seleção brasileira, sendo o maior destaque da equipe e eleito o melhor jogador do planeta enquanto atuava pelo Barcelona, o Baixinho abriu mão do futebol europeu e desembarcou no Brasil no ano seguinte, no Flamengo, para ser a grande estrela do centenário do Rubro-negro.
Túlio Maravilha também vivia seu auge. Com 26 anos, havia chegado ao Botafogo, onde é ídolo, para ser o principal atleta da equipe que conquistou o Campeonato Brasileiro de 1995. Foi a torcida alvinegra que o deu o apelido de ‘Maravilha’. Sempre polêmico e sem papas na língua, trocava, principalmente com Romário, provocações sobre a quantidade de gols que cada um faria. O botafoguense foi o artilheiro da edição, com 27 tentos.
Valdir Bigode era o menos badalado, mesmo assim não cansava de balançar as redes. O atacante foi um dos principais goleadores da história do Vasco. O clube, em 1995, era o atual tricampeão carioca (1992, 1993 e 1994), e Valdir esteve presente em todos os títulos.
Renato Gaúcho, por outro lado, se aproximava do fim da carreira. Então com 33 anos e já consolidado, sendo querido pela torcida flamenguista, onde conquistou o Campeonato Brasileiro de 1987, topou o desafio de atuar pelo Fluminense. Renato ainda não sabia, mas aquela decisão o tornaria o Rei do Rei.
A coroação
O Campeonato Carioca de 1995 acabou sendo decidido em um duelo entre Flamengo e Fluminense, . O Flu não conquistava a taça havia dez anos, desde 1985. O Fla chegou ao torneio como o badalado time estrelado, completando 100 anos, e comandado por Vanderlei Luxemburgo, que acabara de ser bicampeão brasileiro com o Palmeiras.
O futebol, porém, é imprevisível. E aquele clássico ficou marcado para sempre por um gol de barriga feito por Renato Gaúcho, diante de 120 mil torcedores no Maracanã, faltando três minutos para o fim do tempo regulamentar. A partida estava empatada por 2 a 2 quando Aílton fez a jogada e, em uma espécie de chute e cruzamento, mandou a bola para a área. Renato, rápido, fez um movimento e acertou a pelota com a barriga, empurrando para o fundo das redes e dando o título para os tricolores.
Foram somente cinco gols do craque naquela edição – quatro deles em clássicos contra o Flamengo – mas a ‘barrigada’ foi decisiva não apenas para o título: Renato Gaúcho foi coroado o Rei do Rio, ganhando a divertida provocação que acontecia fora dos gramados.
