Aílton Gonçalves da Silva tem uma das histórias mais bonitas e improváveis do futebol brasileiro. Foi campeão da Bundesliga na temporada 2003/2004. E pelo Werder Bremen, time que naquela época já, teoricamente, não tinha condições de enfrentar um gigante europeu como o Bayern de Munique. Nos sites de aposta esportiva, não era cotado nem para chegar entre os 10 primeiros colocados. E não foi só isso. Terminou o Campeonato Alemão como artilheiro, com impressionantes 28 gols em 33 jogos. Foi o eleito o melhor jogador da temporada. Para completar, ajudou o time a conquistar a Copa da Alemanha. 

Façanhas inesperadas, tanto para o clube quanto para ele, que até então não era muito conhecido nem em seu país natal. E a história de vida desse paraibano, torna todas essas realizações ainda mais improváveis. Por vários e vários momentos, ele estava indo para um lado, mas o acaso o levou para o outro. E, para sorte dele, os imprevistos, mesmo que muitas vezes o fazendo ficar ou ir para lugares que não eram da sua escolha, acabaram sendo decisivos para ele chegar onde chegou.

Em 1997, já com 23 anos, Aílton era jogador do Guarani. O Werder Bremen estava interessado em sua contratação, mas tanto ele quanto o clube de Campinas haviam acertado a transferência para o Tigres. O jogador cumpriu o acordo e foi para o México. Oito meses depois, o time alemão finalmente conseguiu levá-lo.  “A história é muito interessante. O Werder Bremen estava interessado em um atacante, que não era eu. Eles foram assisti-lo jogar, justamente contra o Guarani. Só que a estrela da partida fui eu. Eles desistiram do atacante e passaram a tentar me levar para lá. Acabou dando certo, mas antes fiz uma breve escala no futebol mexicano”, conta Aílton. Não foi a primeira vez que o acaso mudaria o rumo de sua vida como jogador.

Aílton nasceu em Mogeiro, interior da Paraíba. Cidade hoje com pouco mais de 13 mil habitantes. Sempre gostou de jogar futebol. Chegou a fazer teste no Campinense e no Treze, os principais clubes do estado. Não passou em nenhum dos dois. Já tinha se conformado em ficar na sua cidade, sem muitas perspectivas. Mas, um dos seus irmãos jogava no Estudantes de Timbaúba, em Pernambuco. Ele fez Aílton realizar um teste. “Eu disse que não queria ser profissional, que queria jogar apenas por diversão na minha cidade. Ele acabou me levando a força. E minha mãe o ajudou, porque dizia que eu tinha um dom que eu precisava aproveitar”. Essa era a primeira vez que forças externas colocavam Aílton no caminho que o levou a ser ídolo na Alemanha. 

Não demoraria para a segundo golpe do destino acontecer. Depois de virar profissional no Estudantes de Timbaúba, Aílton foi para o Mogi Mirim, time do interior de São Paulo. Logo chegou no Ypiranga de Erechim, no Rio Grande do Sul. “Cheguei lá, e o treinador disse que eu não jogava nada, que não tinha como ser jogador de futebol. Falou que eu só podia ser jogador de empresário”. Aílton conta que depois de 4 partidas sem jogar, pediu para sair. Mas seu empresário na época, Jorge Machado, brigou com ele e com o clube, insistindo que ficasse até o final do campeonato gaúcho. “Por incrível que pareça, o atacante titular (Paulo Gaúcho) se machucou. O treinador continuou me deixando no banco, mas teve um jogo em Erechim em que ele precisou colocar um atacante, porque a torcida o estava xingando de burro. Ele me colocou faltando 15 minutos, eu fiz dois gols e virei o jogo. Aí não teve como me deixar mais no banco”. Aílton virou o artilheiro do Campeonato Gaúcho de 1995, com 16 gols, superando Jardel do Grêmio. De novo, não era para ter sido. Mas foi. Logo ele se transferiu para o Internacional de Porto Alegre, e sua carreira entrou nos eixos.

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Já no Werder Bremen, Aílton praticamente não jogou na primeira temporada (1998/99). Participou de 13 partidas, quase todas saindo do banco. Esteve 435 minutos em campo, média de apenas 35 minutos para cada jogo que entrou. “Fui contratado como um dos atletas mais caros da história do clube, e quase não entrava. Era criticado, falavam que foi dinheiro jogado no lixo. Mas não tinha culpa. O Felix Magath, treinador na época, nem falava comigo. Ele sequer observava meus bons momentos em treinamentos”.

Com o time na zona do rebaixamento, Felix Magath saiu antes do final da temporada. Thomas Schaaf veio do time B para tentar manter o clube na primeira divisão. E conseguiu. “Quando ele assumiu, disse que não iria me aproveitar naquele final de temporada porque eu estava sem jogar há muito tempo. Falei que não tinha mais cabeça para ficar no Werder Bremen, e quando acabasse a temporada, queria ir embora. Ele me disse que não, que no ano seguinte seria um novo capítulo”.

De novo, o acaso mudando o destino de Aílton. Não fosse pela troca de treinador, e pela subsequente demonstração de um pouco de confiança do novo comandante, ele teria deixado o clube muito antes da histórica conquista da Bundesliga. No verão seguinte, as coisas começaram a melhorar. Para a temporada 1999-2000, chegaram o atacante peruano Claudio Pizarro e o zagueiro brasileiro Júlio César.  “Esses dois me ajudaram mais que o Thomas Schaaf. Formamos um trio com muita sintonia. Fiquei mais confiante, passei a me sentir em casa. E ao ver minha evolução, o treinador apenas me deu espaço pra jogar, e liberdade para eu fazer o que quisesse dentro de campo”.          

O atacante brasileiro se firmou como titular. Fez 16 gols na temporada 1999/00, 17 na seguinte, 20 em 2001/02, 17 em 2002/03. E, de repente, a absurda campanha de 2003/04. Foram 34 gols em 43 partidas, juntando todas as competições. Virou ídolo e a maior estrela do título mais improvável do futebol alemão.

Mas, o destino de novo escapou do controle. Logo depois de levantar a taça, Aílton se transferiu para outro clube alemão. “Até hoje, depois de tantos anos, ainda não sei responder porque saí”. Mas ele explica. Antes do inicio da temporada 2003/2004, Aílton teve duas conversas com o clube. Queria renovar. Só que como a expectativa era de que o Werder Bremen não chegaria nem na zona de classificação para a Champions League, a diretoria achava o salário do jogador brasileiro era muito alto para as finanças do clube. “Aí o Schalke 04 veio, conversou comigo, e em uma hora de papo deixamos tudo acertado. Não assinamos, mas sou um homem de palavra.” Meses depois, o Werder Bremen era campeão da Bundesliga, com Aílton artilheiro e melhor jogador da competição. “Antes mesmo do fim do torneio, eles queriam que eu mudasse de ideia e ficasse. Mas meu pai me educou a cumprir com o combinado, então acabei saindo”.

No Schalke, fez mais um ótimo ano. Artilheiro do clube na temporada com 20 gols em 44 jogos, finalista da Copa da Alemanha, perdendo do Bayern de Munique na decisão. Aílton explica que acabou saindo nporque teve um desentendimento com o técnico, Ralf Rangnick: “O mesmo que agora está tendo problema com o Cristiano Ronaldo no Manchester United”.

E por aí, seguiu sua carreira, até se aposentar em 2013, jogando por outro clube alemão, o modesto Hassia Bingen. Ainda ganhou um jogo de despedida do Werder Bremen, mesmo dez anos depois de deixar o clube. Uma linda história, que poderia ter tomado milhares de rumos diferentes no meio do caminho.